Guardei meu celular no bolso, levantei as mangas da minha camisa até os cotovelos para alguma eventualidade e por me sentir mais seguro dessa forma, e me levantei da poltrona quando a porta do banheiro se abriu. Imaginei que meu paciente sairia como um assassino alucinado e voaria no meu pescoço... Não, mas nada disso aconteceu. Ele voltou ao estado inicial, tranquilo. Como quando acaba de fazer uma terapia do riso. Fui até a janela calmamente e as abri. O consultório estava bastante abafado, e precisava de um ar novo já que a atmosfera que a situação exigiu para aquela conversa aparentemente dava sinais de mais serena, e foi nesse momento em que ele falou:
- Quero que conte ao meu pai o que aconteceu hoje caso algo de ruim aconteça comigo.
- Não vai acontecer algo de ruim contigo. - disse ao terminar de observar a cidade pela janela.
- É engraçado como o senhor tem uma certeza para todas as coisas. - dizia enquanto guardava seu canivete no bolso da calça jeans. Nunca foi intenção mentir que eu era capaz de prever o que podia ou não acontecer com o outro. Ou iludi-lo ao dizer que tudo ficará bem quando não vai. Só acreditava que nada realmente de ruim aconteceria naquele momento com ele porque sabia que a ambulância estava a caminho, que seria levado a uma clínica especializada, onde seria medicado e tratado em segurança, longe o bastante daqueles que lhe fazem verdadeiro mal. Apenas era necessário mantê-lo no consultório até que tudo isso se concretizasse. Só não sabia que ele já sabia disso, e continuou. - E por mais que tente me manter aqui com alguma conversa fiada, antes disso, eu previ que você chamaria os seguranças dos doidos... ou se seria por medo de te ferir como fiz com o outro ao saber da história, ou por achar que seria possível eu vir a considerar o suicídio como um "fim dos meus problemas mentais!"... enfim, isso não me importa. Mas eu não vou ficar... O senhor precisa ir p'ra sua casa, também. Ela deve está bastante nervosa com a sua demora. - começou a andar calmamente até a porta. Tentei intervir avançando alguns passos até ele, mas fui surpreendido com a rapidez que ele teve de se armar. Apontou o canivete para mim, dizendo. - Não vou te machucar, doutor... A não ser que insista na burrice em me impedir de sair.
Como pude ter sido tão negligente com esse rapaz?
Não me lembro de ter trancado a porta, não me restou mais nada a fazer. Ele se foi. Me certifiquei que horas davam no meu relógio. Eram 2hs59mins... 3hs00mins da manhã. Meu celular tocou. Casa. Esposa. Atendi.
Conversei em seguida com os enfermeiros, relatei que não fui capaz de prendê-lo dentro do consultório, pois o rapaz possuía uma arma branca, um canivete de tamanho médio. Me perguntaram se estava ferido; não, estou bem. O rapaz foi espancado por alguns moradores do bairro onde mora, ele só quis se defender, eu disse. Saímos do consultório, acompanhei os enfermeiros até a ambulância e me despedi, voltei em direção ao meu carro quando ouvi um dos enfermeiros falar: "(...) mais um demente a solta no mundo matando gente inocente." Tornei a me virar, olhei para ambulância que saía do estacionamento. Não reconheci quem pronunciou aquela bizantinice, e nem o faria depois, certamente. Mas me bateu a vontade de perguntar quem eles achavam que agiu como louco nessa história toda; o rapaz ou "os outros"? O psicótico diagnosticado ou os ignorantes ditos sãos?
Voltei para casa, contei o ocorrido e discuti sobre o assunto com a minha mulher pelo resto da madrugada, pois achava piamente que devia por conta própria o procurar pela cidade e fazer realmente alguma coisa por ele. Ela me convenceu a ficar quieto.
Amanheceu o dia. E só consegui dormir por duas horas. Minha mulher, creio eu, nem dormiu. Ouvi o som da televisão e o segui até chegar a sala. Falava sobre o trânsito. A notícia seguinte me fez sentar no sofá violentamente.
Fui até a polícia, contei-lhes o que sabia, o que aconteceu algumas horas atrás. Exatamente tudo, cada palavra que me foi dita e acenada naquela noite. Relatei cada passo dado naquele consultório. E quem supostamente participara das agressões contra o rapaz. Precisava deixar a minha consciência tranquila, mais do que nunca. Logo depois do meu depoimento, me encontrei com o pai do meu falecido paciente no corredor, sentando à espera de alguém que lhe dissesse que tudo não passara de um grande equívoco. Compreesivamente abatido. Não se dera conta que essa tragédia poderia acontecer com um filho seu. Criei coragem de me aproximar daquele debilitado senhor, que já não se via mais em seus olhos outra coisa além da profunda angustia que lhe foi imposta. Resolvi lhe contar as últimas palavras do meu paciente, seu filho; "Foi o melhor pai do mundo, até mais que eu merecia. E fez o que pôde..." Ele assentiu brevemente. Não era preciso dizer mais nada, estávamos distantes mesmo perto, e então, só o que nos restou foi o silêncio da distância que a cada passo dado meu, ficou bem maior entre nós.
- Não vai acontecer algo de ruim contigo. - disse ao terminar de observar a cidade pela janela.
- É engraçado como o senhor tem uma certeza para todas as coisas. - dizia enquanto guardava seu canivete no bolso da calça jeans. Nunca foi intenção mentir que eu era capaz de prever o que podia ou não acontecer com o outro. Ou iludi-lo ao dizer que tudo ficará bem quando não vai. Só acreditava que nada realmente de ruim aconteceria naquele momento com ele porque sabia que a ambulância estava a caminho, que seria levado a uma clínica especializada, onde seria medicado e tratado em segurança, longe o bastante daqueles que lhe fazem verdadeiro mal. Apenas era necessário mantê-lo no consultório até que tudo isso se concretizasse. Só não sabia que ele já sabia disso, e continuou. - E por mais que tente me manter aqui com alguma conversa fiada, antes disso, eu previ que você chamaria os seguranças dos doidos... ou se seria por medo de te ferir como fiz com o outro ao saber da história, ou por achar que seria possível eu vir a considerar o suicídio como um "fim dos meus problemas mentais!"... enfim, isso não me importa. Mas eu não vou ficar... O senhor precisa ir p'ra sua casa, também. Ela deve está bastante nervosa com a sua demora. - começou a andar calmamente até a porta. Tentei intervir avançando alguns passos até ele, mas fui surpreendido com a rapidez que ele teve de se armar. Apontou o canivete para mim, dizendo. - Não vou te machucar, doutor... A não ser que insista na burrice em me impedir de sair.
Como pude ter sido tão negligente com esse rapaz?
Não me lembro de ter trancado a porta, não me restou mais nada a fazer. Ele se foi. Me certifiquei que horas davam no meu relógio. Eram 2hs59mins... 3hs00mins da manhã. Meu celular tocou. Casa. Esposa. Atendi.
Conversei em seguida com os enfermeiros, relatei que não fui capaz de prendê-lo dentro do consultório, pois o rapaz possuía uma arma branca, um canivete de tamanho médio. Me perguntaram se estava ferido; não, estou bem. O rapaz foi espancado por alguns moradores do bairro onde mora, ele só quis se defender, eu disse. Saímos do consultório, acompanhei os enfermeiros até a ambulância e me despedi, voltei em direção ao meu carro quando ouvi um dos enfermeiros falar: "(...) mais um demente a solta no mundo matando gente inocente." Tornei a me virar, olhei para ambulância que saía do estacionamento. Não reconheci quem pronunciou aquela bizantinice, e nem o faria depois, certamente. Mas me bateu a vontade de perguntar quem eles achavam que agiu como louco nessa história toda; o rapaz ou "os outros"? O psicótico diagnosticado ou os ignorantes ditos sãos?
Voltei para casa, contei o ocorrido e discuti sobre o assunto com a minha mulher pelo resto da madrugada, pois achava piamente que devia por conta própria o procurar pela cidade e fazer realmente alguma coisa por ele. Ela me convenceu a ficar quieto.
Amanheceu o dia. E só consegui dormir por duas horas. Minha mulher, creio eu, nem dormiu. Ouvi o som da televisão e o segui até chegar a sala. Falava sobre o trânsito. A notícia seguinte me fez sentar no sofá violentamente.
"Um rapaz de 23 anos, ainda não identificado, foi encontrado morto às 5hs de hoje na ponte Estaiada, na Marginal Pinheiros Zona Sul de São Paulo. Tudo indica que o rapaz foi brutalmente espancado e pendurado num dos lados da ponte pelos agressores. Acredita-se que pode se tratar de mais de dois responsáveis pelo assassinato. Um canivete foi encontrado no bolso da vítima pela perícia, nele havia sangue de um suposto agressor e supõe que a vítima tentou se defender."Não precisou de imagem alguma nem mesmo aérea para saber de quem a jornalista falava. Meu paciente foi morto pela ignorância alheia. Perdi minhas forças ali, na hora. Não consegui imaginar trabalhando após essa loucura. Senti meu estômago doer, como se tivesse levando uma saraivada naquele exato momento.
Fui até a polícia, contei-lhes o que sabia, o que aconteceu algumas horas atrás. Exatamente tudo, cada palavra que me foi dita e acenada naquela noite. Relatei cada passo dado naquele consultório. E quem supostamente participara das agressões contra o rapaz. Precisava deixar a minha consciência tranquila, mais do que nunca. Logo depois do meu depoimento, me encontrei com o pai do meu falecido paciente no corredor, sentando à espera de alguém que lhe dissesse que tudo não passara de um grande equívoco. Compreesivamente abatido. Não se dera conta que essa tragédia poderia acontecer com um filho seu. Criei coragem de me aproximar daquele debilitado senhor, que já não se via mais em seus olhos outra coisa além da profunda angustia que lhe foi imposta. Resolvi lhe contar as últimas palavras do meu paciente, seu filho; "Foi o melhor pai do mundo, até mais que eu merecia. E fez o que pôde..." Ele assentiu brevemente. Não era preciso dizer mais nada, estávamos distantes mesmo perto, e então, só o que nos restou foi o silêncio da distância que a cada passo dado meu, ficou bem maior entre nós.
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